terça-feira, 10 de janeiro de 2012

in Retrado do Artista Quando Jovem

… e eis que descubro no primeiro ano do liceu

(julgo que foi no primeiro ano do liceu, não me recordo bem)

um professor de ruga atormentada na testa como se os rins da alma lhe doessem que atravessava o pátio do recreio torcido por incómodos metafísicos. Um colega mais instruído revelou-me que o professor se chamava Vergílio Ferreira e publicava livros: observei-lhe melhor as úlceras existenciais

(a criatura parecia descascar-se em sofrimento)

e levei meses a treinar ao espelho cálculos na uretra da sensibilidade e a tentar falar francês com sotaque de porteira. Logo que me senti suficientemente Vergílio e suficientemente Ferreira compareci ao jantar ansiosíssimo com o sentido da existência, pronto a redigir uma Manhã Submersa qualquer, já podre e tudo de passar tanto tempo debaixo de água, recusei os croquetes com uma melancolia obstinada, perguntaram-me

- O menino é parvo ou faz-se?

eu respondi com firmeza

- Os escritores são assim

mandaram-me ter juízo e separar as sobrancelhas porque graças a Deus não padecia de hemorróidas, o meu pai mostrou-se o retrato do Byron e eu decidi partir no dia seguinte para a Grécia e morrer em combate a recitar alexandrinos.

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