quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Ary, a voz que ecoa no tempo

Corria 18 de Janeiro de 1984 quando se calou a voz retumbante e truculenta do José Carlos Ary dos Santos, com apenas 48 anos. Um homem eternamente no precário equilíbrio entre a ternura e o humor, foi autor de mais de seis centenas de poemas – grande parte para canções que ainda hoje andam aí na boca e nos ouvidos da malta –, declamador e militante das suas convicções. Mas foi também, profissionalmente, um publicitário de génio.

Faço-lhe aqui hoje um triptíco de memória, que a merece. Um poema, pois claro. Uma canção, talvez a minha preferida de sempre, reinventada recentemente, quando passam quase três décadas da sua partida. E um episódio relacionado com a publicidade.

Pela ordem inversa. Só porque me apetece ser do contra.


“São inúmeras as campanhas de publicidade a que Ary dos Santos esteve ligado na Espiral. (...) Criou slogans que fizeram época, como o da Woolmark, “Minha lã, meu amor”; ou o da Knorr, “Knorr é naturalmente melhor”; ou ainda um outro para o Grémio Nacional dos Seguradores, “Mais seguro, mais futuro”.

À sua imensa capacidade de trabalho juntavam-se as diabruras inesperadas de um menino grande. Fazia uma mistura alquímica da, tantas vezes questionável mas, para ele, indissociável, convivência do trabalho com o divertimento. Se aparentemente não prestava qualquer atenção às reuniões com os clientes, repentinamente – depois de ter caricaturado todos os presentes e enviado bilhetinhos sem qualquer relação com o que estava a ser discutido – escrevia o slogan que toda a gente esperava.

Numa reunião com os responsáveis da empresa que comercializava o Halazon – um purificador do hálito – os clientes explicavam as características do produto enquanto Zé Carlos falava de tudo menos de purificações do que quer que fosse. E, sem aviso, surpreendente, manda para a mesa o papel amarrotado, cheio de gatafunhos, mas onde se lia: “Halazon, a melhor invenção depois do beijo”! Foi êxito que durou anos.”

In “Ary dos Santos – Fotobiografia”
por Alberto Bemfeita, Caminho



“O Poema Original

Original é o poeta
que se origina a si mesmo
que numa sílaba é seta
noutra pasmo ou cataclismo
o que se atira ao poema
como se fosse ao abismo
e faz um filho às palavras
na cama do romantismo.
Original é o poeta
capaz de escrever em sismo.

Original é o poeta
de origem clara e comum
que sendo de toda a parte
não é de lugar algum.
O que gera a própria arte
na força de ser só um
por todos a quem a sorte
faz devorar em jejum.
Original é o poeta
que de todos for só um.

Original é o poeta
expulso do paraíso
por saber compreender
o que é o choro e o riso;
aquele que desce à rua
bebe copos quebra nozes
e ferra em quem tem juízo
versos brancos e ferozes.
Original é o poeta
que é gato de sete vozes.

Original é o poeta
que chega ao despudor
de escrever todos os dias
como se fizesse amor.

Esse que despe a poesia
como se fosse mulher
e nela emprenha a alegria
de ser um homem qualquer.”


http://www.youtube.com/watch?v=N0GvAwSbxJc

Vídeo de “Estrela da Tarde”, por Amor Electro.


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