segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

a-ver-livros: Malfatti em amarelo

"Eu tinha 13 anos, e sofria porque não sabia que rumo tomar na vida. Nada ainda me revelara o fundo da minha sensibilidade. [...] Resolvi, então, me submeter a uma estranha experiência: sofrer a sensação absorvente da morte. Achava que uma forte emoção, que me aproximasse violentamente do perigo, me daria a decifração definitiva da minha personalidade. E veja o que fiz. Nossa casa ficava próxima da educada estação da Barra Funda. Um dia saí de casa, amarrei fortemente as minhas tranças de menina, deitei-me debaixo dos dormentes e esperei o trem passar por cima de mim. Foi uma coisa horrível, indescritível. O barulho ensurdecedor, a deslocação de ar, a temperatura asfixiante deram-me uma impressão de delírio e de loucura. E eu via cores, cores e cores riscando o espaço, cores que eu desejaria fixar para sempre na retina assombrada. Foi a revelação: voltei decidida a me dedicar à pintura."

Quem o escreveu, em registo autobiográfico, emotivo, foi Anita Malfatti, pintora brasileira, paulista, que viveu entre 1889 e 1964. Se começou por ser algo incompreeendida na sua paixão pela arte, até porque portadora de uma atrofia congénita no braço direito que a obrigou a aprender a usar a mão esquerda para tudo o que fazia, acabou reconhecida como expoente da pintura brasileira, mais concretamente do movimento modernista. Ao ponto de, neste momento, ter acabado de ser lançado um livro para crianças sobre a sua vida. No Brasil apenas – embora possa chegar facilmente a Portugal - , integrado na colecção Crianças Famosas, da editora Callis, e assinado em parceria por Carla Caruso e Angelo Bonito.

É só mais uma coincidência daquelas que, num dia de navegações pela net, bata com o olhar no amarelo generoso da blusa da menina que lê e, no dia seguinte, imagine-se, na notícia da edição do livro? Ou deveria dizer – mais uma vez – que não há coincidências?

Fica o quadro. Para ver muitas vezes – mas em especial nos dias como o de hoje, tão frio - em que apetecer imaginar o sol sambado de São Paulo, uma sombra relaxante e um bom livro.

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