quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

oxímorO


Sentado, do outro lado da secretária, falava... falava comigo...

... e eu...
... eu reparava na bata, impecavelmente branca, impecavelmente passada a ferro...
... procurei vincos... não encontrei... nem um!
... encontrei as riscas azuis da camisa por debaixo da bata branca, encontrei o nó da gravata e a gravata, encontrei dois botões da bata fora das respectivas casas, encontrei no bolso da bata, quatro canetas e um lápis, dos amarelos às riscas pretas ou ao contrário... como quiserem... tudo pode ser ao contrário...
... ainda pensei para quê tantas canetas?
... e ele falava... continuava a falar...
... comigo!
... gesticulava e falava...
... comigo?
... as mãos a lembrar pássaros... mas pássaros dentro de uma gaiola...
... os gestos contidos... as palavras contidas...
... falava...
... comigo...
... e eu a pensar...
... que figura de estilo?
... não uma hipérbole, não um eufemismo, não um pleonasmo...
... a inversão da ordem directa das palavras... tirar Inês ao mundo determina... Camões... não, não uma anástrofe...
... a atribuição a um ser ou coisa de uma qualidade ou acção logicamente pertencente a outro ser... as tias faziam meias sonolentas... Eça de Queirós... mas não... não uma hipálage...
... também não uma antítese... talvez porque a acontecer dentro de mim...
... um paradoxo?
... não... continuei... um oxímoro... concluí... é isso!
... até esbocei um sorriso... um sorriso que, talvez por inesperado, também o fez sorrir...
... um oxímoro, como em... o amor é fogo que arde sem se ver... é ferida que dói e não se sente... é um contentamento descontente... é dor que desatina sem doer... desconcertante e útil Camões!
... um oxímoro a crescer dentro do meu útero... um mioma... um tumor benigno... um oxímoro...
... depois um aperto de mãos...
... com cuidado para não melindrar os pássaros... que as aves são bichos com corpos excessivamente frágeis...
... depois a cidade... e eu...
... eu... sem saber para onde ir... sem saber o que fazer...
... perdi-me...
... encontrei-me...
... numa loja de chapéus comprei um chapéu...
... preciso de um chapéu?
... um chapéu clássico, castanho escuro, quase masculino...
... um chapéu que... sei perfeitamente... não vou usar... não quero usar...
... cedi ao apetite e ao desconcerto...
... quando cheguei a casa pendurei-o no bengaleiro  ao lado do pechiché... e, é um facto... o bengaleiro fica bonito de chapéu... quase um senhor!

Raquel Serejo Martins



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