quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Némesis... Assim o li


I´ll be seeing you, aqui cantada por Billie Holiday, é uma canção muito popular na América, escrita por Irving Kahal em 1938 e uma das mais badaladas no mundo do Jazz.

Porque trouxe esta música à baila? Quem leu Némesis de Philip Roth entenderá de imediato. Desde já porque faz parte da história - passada em plena 2ª Guerra Mundial, corria o ano de 1944.

Mas não... Este não é um romance vivido nos focos da guerra. As batalhas e questões que aqui se aprofundam são outras. O nosso personagem, apesar de ter idade para ir combater, não está apto. Um problema de visão afasta-o.

Sem ter conhecido a Mãe - falecida no parto - e afastado do Pai (um vigarista irresponsável), o Sr. Cantor é educado pelos Avós. E torna-se num atleta pleno de força e vitalidade.

Professor de educação física e responsável pelas actividades desportivas dos miúdos nos campos de treino da escola, assiste a uma «guerra» travada pela população local de Nova Jérsia contra um surto de epidemia de poliomielite.

As mortes dos mais pequenos vão-se sucedendo. Umas atrás das outras. Num dia, o nosso personagem assiste com alegria ao desempenho vigoroso de uma criança numa actividade física. Três dias depois, recebe um telefonema a confirmar que a mesma pessoa caiu numa cama de hospital e morreu.

Depressa se levantam suspeitas de onde veio o foco. Culpam-se grupos de outras etnias, culpam-se restaurantes, culpa-se o sol abrasador, culpa-se o centro de actividades desportivas... Sem qualquer tipo de lógica ou razão. Procuram-se culpados. A população vive em pânico.

O nosso professor abandona a localidade. Vai dar aulas para um acampamento de Verão. Até que surge o primeiro caso de pólio. E surge a questão: "Fui eu que a trouxe?"

Este homem acaba por descobrir que tinha a doença. E sobrevive. Carregando toda a debilidade que a doença marcou nele. Nas costas sente o peso de achar que foi responsável por inúmeras mortes, abandona a sua noiva (porque prefere que ela procure a felicidade noutro lado e não junto a um deficiente motor), questiona o Divino, isola-se nas suas tristezas e melancolia.

Um homem que já foi capaz de lançar o dardo a uma grande distância, cheio de energia e vitalidade... e agora sente-se um foco de difusão de uma doença cruel, que ceifou vidas de muitas crianças saudáveis sem nenhum critério. Sem qualquer explicação. Este homem perde todo o amor próprio... Condena-se a viver com esta amargura e culpa.


Quando falei com Ubik (responsável por ter escolhido este título no mês de Novembro), referi que "Roth monta sempre personagens interessantes e enredos muito cinematográficos. Sobretudo porque caracteriza sempre lindamente os espaços que as personagens habitam. E, mais importante, as emoções que sentem."

Ubik respondeu-me: "Sabes, eu gostei. Mas não é um gostei gostei. É um vou gostando. Já o li há duas semanas e continuo com a deglutição. Digestão pesada."

Respondi: "Sim, acho que esse é sempre o efeito de Roth. Marca de uma forma pesada. Qualquer pessoa que leia uma história dele leva o livro por mais algum tempo. Digestão pesada, abalo de consciência, estalada seca! É isso que adoro: a sensação de prolongamento do prazer de leitura... que Roth faz como poucos."

Fica o nosso convite: leiam Roth. Até qualquer livro...

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