quarta-feira, 26 de outubro de 2011

A lotaria - palavras de Jorge Luis Borges

"Devo esta variação quase atroz a uma instituição que as outras repúblicas ignoram ou que nelas só actua de modo imperfeito e secreto: a lotaria. Não investiguei a sua história; estou informado de que os magos não conseguem chegar a nenhum acordo; apenas sei dos seus poderosos propósitos o que pode saber da lua o homem não versado em astrologia. Sou de um país vertiginoso onde a lotaria é parte principal da realidade: até ao dia de hoje; pensei tão pouco nela como no comportamento dos deuses indecifráveis ou no do meu coração. Agora, longe da Babilónia e dos seus queridos costumes, penso com certo espanto na lotaria e nas conjecturas blasfemas que ao crepúsculo murmuram os homens velados.


O meu pai contava que antigamente - questão de séculos, de anos? - a lotaria em Babilónia era um jogo de carácter plebeu. Contava (ignoro se com verdade) que os barbeiros trocavam por moedas de cobre rectângulos de osso e de pergaminho adornados de símbolos. Em pleno dia efectuava-se um sorteio: os agraciados, sem outra corroboração do acaso, recebiam moedas cunhadas de prata. O procedimento era elementar, como podem ver."

Estou a ler «Ficções» do grande Borges. Este conto chama-se "A lotaria em Babilónia". Vale mesmo a pena!

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