sexta-feira, 9 de setembro de 2011

E assim concluo mais um livro do mês... Afonso Cruz

«A boneca de Kokoschka» tem tiradas assim:

"(...) Os médicos são uns ladrões. Não curam. Inventaram a cirurgia para nos roubarem coisas. Quando há uma doença, extraem. Isso não é curar é roubar. Vamos ficando mais pequeninos e eles mais ricos. O que não falta por aí são doenças para encherem os bolsos. Há mais doenças a afectar a humanidade do que a humanidade a afectar pessoas. É este o estado das coisas. Um médico ganha que se farta e nós vamos ficando sem órgãos. Uma pessoa pode contabilizar assim a decadência: quantos órgãos tens a menos?"

Ou esta:

"A HORIZONTALIDADE é um dos maiores sintomas da morte, lugar onde tudo se mistura. A verticalidade mostra exactamente o oposto. É por isso que nos impressiona uma flor a nascer, a despontar, e ficamos desiludidos com as abóboras, os melões, as cobras e os lagartos, que se estendem pelo chão, na modorra, em vez de crescerem para o alto, como os espíritos mais ousados. Uma árvore deitada está morta, não está a dormir, e os animais, quando dormem, experimentam o sabor do acabamento. A horizontalidade é o triunfo da morte, e o universo, apesar de redondo, é horizontal. A Terra é mais ou menos esférica, mas o que se vê, quando se olha, é o horizonte. Talvez por isso, o sexo esteja sempre tão próximo da morte, por ser tão horizontal na sua maneira de estar. Santo Agostinho, ao juntar a morte ao sexo, ao pecado original, vislumbrava a morte a ser transmitida pelo ADN, a ser misturada na cama que é onde se dorme e onde se morre com grande frequência. Porque no nosso ADN há uma ordem que diz para morrermos. E isso é comunicado, preferentemente, na horizontal."


Não vou acrescentar muito à opinião que o Fábio Ventura deixou da leitura que fez. Resta-me dizer que Afonso Cruz tem talento e escreve acima da média. Foi o primeiro livro que li dele e despertou a curiosidade para ler mais qualquer coisa.

No entanto, creio que a história acaba por ter personagens a mais. São, realmente, vários livros dentro de um livro. A parte em que Oskar Kokoschka "manda construir uma boneca de tamanho real criada à imagem de Alma Mahler, a mulher que o rejeitou", a meu ver, fica pouco explorada. Estava à espera de um livro com mais fantasia, mais pormenor baseado nesta parte da narrativa - não fosse ter este título. Em vez disso, somos levados a conhecer várias vidas, muitas personagens que se vão ligando entre si. No entanto, acho que Afonso Cruz exagera, podendo o leitor correr o risco de, ao fazer uma leitura menos atenta, perder-se com facilidade.

Quanto à escrita, nada a dizer. Tem pensamentos que me deixaram muito satisfeito e que se reflectiram em muitas análises pessoais. Um livro para ler. De preferência, devagar.

2 comentários:

  1. Gostei muito do livro e da escrita.
    Não concordo inteiramente com o que diz acerca do número de personagens.
    Boa tarde!

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  2. É... Achei que peca por ter muitas. Estava mais à espera que se centrasse em Oskar Kokoschka, aprofundando por aí a história.

    A escrita dele é brilhante, tem pensamentos mágicos e eu gostei do livro. Mas talvez tivesse ido por outros caminhos. Como não são escritor, quem sou eu para criticar?

    Limito-me a constatar a minha experiência de leitura.

    Boa noite!

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