quinta-feira, 30 de junho de 2011

Praça de Londres – o Conto – Lídia Jorge na minha Espada.


O “presumível crime” ou a alegada conduta desviada que preenche os requisitos da Teoria Penal, dos preceitos duros e implacáveis que a Doutrina sustenta. As teias da lei com “ovos e aranhas”. O processo que permite o jogo entre o modus operandi do Ministério Público, num tabuleiro de xadrez entre a acusação e a defesa . A Lei que de interpretação extensiva a excepções dilatórias, de princípios de oportunidade a incidentes processuais, tudo protege e tudo permite, num paradoxo sem linha ténue entre o justo e o injusto. Afinal, é Justiça o que se apela, certo? Crime - um comportamento humano que consiste numa acção penalmente relevante, acção essa que é típica, ilícita, culposa e punível. A “Acção penalmente relevante” ou todo o comportamento humano dominado ou dominável pela vontade.



Na Tipificação há crimes contra as pessoas – contra a vida, contra a integridade física, contra a liberdade pessoal. Há crimes contra a honra, contra o Estado, há crimes contra o Património. Na determinação da pena há penas principais e penas acessórias. Os institutos - A reincidência, o concurso de crimes, as penas relativamente indeterminadas. Penas Privativas de Liberdade. De Multa. E Medidas de Segurança. Inimputáveis. Prevenção Geral e Prevenção Especial. Crimes particulares em sentido estrito, crimes públicos. Esta mescla de classificações aqui exposta e não categorizada, elencada mas não explicada, serve apenas a apresentação de termos. Para que se tenha noção da dimensão da linguagem jurídica e se perceba que nada tem de estanque nem de imposto por mão invisível. O comportamento gera necessidade-quadro, defesa… de nós próprios. É preciso mergulhar no fundo das questões, das entranhas, da mente humana. Revoltante? Questionável? Claro. Tanto quanto a Exigibilidade de um comportamento conforme ao direito. O Dever ser. A máxima Universal do Principio categórico Kantiano. “ Age como se o teu comportamento pudesse ser considerado uma máxima Universal”. Por isso a culpa pressupõe a capacidade para a culpa e a consciência da ilicitude, bem como a ausência de causas de desculpa.

O pensamento inclinado para encontrar o bode expiatório que servisse de causa à conduta que Ela tenta imputar a uma qualquer fatalidade externa, avulta dos seus desejos incontrolados de riqueza, da avidez de poder. A trapaça, o roubo a burla – crime. A reflexão na Praça de Londres, com sabor a Inverno. Ela. O Advogado no papel de quem procura, acima de tudo, a declaração de inocência da sua cliente. Ela. Imbuída em dar “razões emocionais” ao seu contexto, qual acto continuo da condição de ser humano que, no seu dia-a-dia, busca a excepção que justifica a regra, que não constrói, não pondera, não reflecte. Apenas age mais do que actua, remenda mais do que alinhava, rasga sem corte cirúrgico. Em suma, desespera mais do que assume, num juízo de prognose póstuma. Quantas vidas serão precisas para que se sinta e se entenda que a responsabilidade é caminho e meio para a Liberdade? Adiante.

Deambulava Ela pela calçada dos seus crimes, em pré-disposição para a desconstrução, quando os seus olhos procuraram ver algo que diminuísse o impacto da sua conduta. Um homem. Mais velho. Uma criança, ao seu colo. Risos soltos, carícias e beijos. “ A coisa” , “núcleo duro e assombroso”. Homem quase velho beijando a criança e esta eufórica. A descrição continuada, o homem, a criança, a euforia, as carícias. E, de repente, a atenção incomoda-se nesta imagem e a burla e o roubo passam a terceiro plano. Beijos sôfregos. Imagem crua. Uma menina ao colo de um velho. E Ela incomodada. E o leitor a esperar que Lídia Jorge não tenha ido mais longe. Primeiro acto de deturpação. A esta altura não há desejo de enriquecer a frio, burla agravada, manobras processuais para inocentar clientes, que ultrapasse a imagem da pedofilia. E Lídia choca o instinto. E eu desejo mesmo que ela não vá mais longe. Mas foi. Porque a esta altura leitor e personagem confundem-se. E isto é ir muito longe. Todos queremos seguir o homem e a criança, a menina, para perceber o que é “a coisa”. Que cenário. Que imagem dissimulada. Eis que “a coisa” entra num edifício e se dirige ao elevador. Desaparece da retina. Ela, descontrolada, acorda-nos. Aquela curiosidade mórbida não é a nossa, não é a minha. Toca à campainha da porteira e a sua mente evoca cenários possíveis de conversa e justificação. Não, a minha mente, a do leitor, não é a dela. Que alívio. Eu percebo a coerência da personagem, Ela não. A necessidade do bode expiatório por um lado, a constatação da mente perturbada por outro. E Ela deseja que a porteira corrobore o cenário podre. E eu respiro. Porque não há resposta, há efabulação sobre ela. A criança que brinca ao colo do pai, do avô, seja. A pedofilia está na ordem do dia, entre os casos mediáticos e os que se suspeita que existam. É assustador. É assustadora a desconfiança e a perda de naturalidade. Pôr na balança a burla e os crimes sexuais. Tabelar condutas. Volto à Praça de Londres. À tipificação dos crimes, à necessidade de estabelecer a relação de causa efeito entre o que a lei tenta proteger e o que não consegue. À relação entre os agentes desta história. À caracterização Dela. Em primeira instância somos todos pessoas. Vivemos entre o pré-conceito e a verdadeira acepção da palavra liberdade. Cheios de rótulos. A pairar. A não ir fundo nos processos, cheios de mitos urbanos. E com a loucura a morar ao nosso lado. Com a objectividade a fugir todos os dias. A precisar de uma Coluna invisível. Praça de Londres é, no seu todo, o Aquiles da reserva mental, em forma de calçada.

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