quarta-feira, 15 de junho de 2011

Boa e Má Literatura

Excertos da obra 'Da Leitura e dos Livros', Schopenhauer.

'O que acontece na literatura não é diferente do que acontece na vida: para onde quer que se volte, depara-se imediatamente com a incorrigível plebe da humanidade, que se encontra por toda a parte em legiões, preenchendo todos os espaços e sujando tudo, como as moscas no verão.

Eis a razão do número incalculável de livros maus, essa erva daninha da literatura que tudo invade, que tira o alimento do trigo e o sufoca. De facto, eles arrancam tempo, dinheiro e atenção do público - coisas que, por direito, pertencem aos bons livros e aos seus nobres fins - e são escritos com a única intenção de proporcionar algum lucro ou emprego. Portanto, não são apenas inúteis, mas também positivamente prejudiciais. Nove décimos de toda a nossa literatura actual não possui outro objectivo senão o de extrair alguns táleres do bolso do público: para isso, autores, editores e recenseadores conjuraram firmemente.'

(...)


'Como as pessoas lêem sempre apenas as novidades em vez das melhores obras de todos os tempos, os escritores permanecem no âmbito restrito das idéias circulantes, e a época afunda-se cada vez mais na sua própria mediocridade.

Por isso, no que concerne à nossa leitura, a arte de não ler é de máxima importância. Ela consiste no facto de não se assumir a responsabilidade por aquilo a que todo o instante ocupa imediatamente a maioria do público, como panfletos políticos e literários, romances, poesias e similares, que são rumorosos justamente naquele determinado momento, e chegam até a atingir várias edições no seu primeiro e último ano de vida. É preferível então pensar que quem escreve para loucos encontra sempre um grande público, e que o escasso tempo destinado à leitura deve ser exclusivamente dedicado às obras dos maiores espíritos de todos os tempos e de todos os povos, que sobressaem em relação ao restante da humanidade e que são assim designados pela voz da glória. Apenas estes instruem e ensinam realmente.

Nunca se chegará a ler um número muito reduzido de obras más nem obras boas com muita frequência. Livros maus são um veneno intelectual: estragam o espírito. A condição para ler obras boas é não ler obras más, pois a vida é breve, e o tempo e as forças são limitados.'

3 comentários:

  1. Grande texto! perfeitamente actual!
    Muitas vezes vou até ao hipermercado aqui junto de minha casa e fico estupefacto com a quantidade de livros pelos quais eu não daria "um tusto" e são os que mais vendem!
    Logica e evidentemente, não estou a dizer que eu sou o tipo que lê os livros bons e os outros só compram lixo. Mas acho que faço um esforço pro isso! Infelizmente, a má literatura existe! E a culpa não é de quem compra: é de quem utiliza a máquina da propaganda para impingir lixo ao comprador desprevenido. Livros escritos (?) por jogadores ou treinadores de futebol que dão pontapés na gramática cada vez que abrem a boca, por exeplo, vendem imenso. Só com muito arrojo se poderia dizer que isso é boa literatura!
    Cada vez mais, como diz Schopenhauer, "Nove décimos de toda a nossa literatura actual não possui outro objectivo senão o de extrair alguns táleres do bolso do público"
    Nove décimos é um exagero, mas a ideia é essa...

    ResponderEliminar
  2. Sem dúvida, Manel.

    Estar do lado das livrarias e assistir às estratégias editoriais é algo muito difícil de transmitir. Mas posso dizer que, em muitos casos, é assustador.
    Num país como o nosso, resulta na perfeição. Obviamente que se espera alguma publicidade aos livros. Não se espera é que eles sejam vendidos como uma peça de roupa ou um perfume numa montra... E é isso que está a acontecer - a palavra 'livro' está a ser completamente esmagada por 'produto'.

    ResponderEliminar