terça-feira, 3 de maio de 2011

Poema do futuro, António Gedeão

'Conscientemente escrevo e, consciente,
medito o meu destino.

No declive do tempo os anos correm,
deslizam como a água, até que um dia
um possível leitor pega num livro
e lê,
lê displicentemente,
por mero acaso, sem saber porquê.
Lê, e sorri.
Sorri da construção do verso que destoa
no seu diferente ouvido;
sorri dos termos que o poeta usou
onde os fungos do tempo deixaram cheiro a mofo;
e sorri, quase ri, do íntimo sentido,
do latejar antigo
daquele corpo imóvel, exhumado
da vala do poema.


Na História Natural dos sentimentos
tudo se transformou.
O amor tem outras falas,
a dor outras arestas,
a esperança outros disfarces,
a raiva outros esgares.

Estendido sobre a página, exposto e descoberto,
exemplar curioso de um mundo ultrapassado,
é tudo quanto fica,
é tudo quanto resta
de um ser que entre outros seres
vagueou sobre a Terra.'

[(Obrigado Manel). Partilho!]

1 comentário:

  1. Lindo tocou minha alma...
    como o silêncio de um grito,
    escondido mas impetuoso
    escaladas da vida ,
    por vezes tão mal vividas...

    £lvira

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