domingo, 3 de abril de 2011

Os últimos cantos...

Antes da análise da obra, as últimas frases que 'me' ficaram:

Canto VIII

20

'Nada de novo. O dinheiro não é uma invenção
do ar livre: foi criado nas fábricas,
nos compartimentos espessos, nos grandes edifícios.
Na cidade, o gosto a leite já lembra mais a máquina
que a vaca. Entardece, e as meias que de manhã
eram brancas são despidas em casa já negras.
O fumo baixo come lentamente os tornozelos
ocupados. A cidade bebe vinho, e alguns pais
distraídos cantam canções pornográficas
para as crianças adormecerem. Se alguém ouvir o galo
pensará de imediato que começou a catástrofe.'

28

'A hipocrisia, por exemplo, é das velharias mais
difíceis de o homem se livrar; apegou-se ao homem
como o lixo ao trapo já sujíssimo de pó.
Conhecer crápulas, diga-se, não é uma raridade:
normalmente são mansos, entram discretos
como empregados de mesa de restaurantes
de luxo e acabam a tentar degolar
quem acabou de adormecer.'

54

'E os amigos dão conselhos, o que é
perigosíssimo. Inimigos acumulam
ameaças, mas estas suportam-se bem.
A infelicidade, ameaçada, é afinal um bom aviso.
As ameaças dos inimigos são pois os verdadeiros
conselhos.'


Canto IX

33

'Os dias são instrumentos que exigem afinação,
e o amor tem um ouvido particular, capaz de
reconhecer as mais leves variações. Invulneráveis
à morte só os mortos e, temporariamente, os que amam.
Mas sem falsas expectativas: o melhor lado não é perfeito
porque é lado - e um lado tem sempre o lado oposto.'

Canto X

68

'Os crimes rodam, como os planetas,
em volta de cada homem,
e cada crime escolhe o seu cidadão. Nascemos,
e começa a desordem.
A realidade acelera. Atravessada pelos homens,
a realidade perde mitos e ganha engenharia.
As construções são já em maior número
que todas as outras espécies animais.'

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