terça-feira, 5 de abril de 2011

A minha Viagem à Índia


“Ele aproxima-se da mulher e o mundo prossegue, mas nada que aconteça poderá impedir o definitivo tédio de Bloom, o nosso herói.”

Antes de mais, acabei a epopeia numa excitação literária em tudo antagónica ao tédio do nosso herói. Se nada impedirá o definitivo tédio de Bloom, nada impedirá também que Gonçalo M. Tavares receba um lugar cativo na estante imaginária onde ponho os livros e autores que mais me marcaram. Uns, marcam-nos pela simplicidade de suas histórias, outros, por aquele twist final que nos apanhou de surpresa, outros ainda, por personagens que para sempre recordaremos como velhas amigas, e lugares aos quais sonhamos regressar. No caso desta Viagem à Índia, senti-me imersa em 456 páginas de uma inquietante mistura de literatura e filosofia, uma fusão das artes de narrar e questionar a que GMT já nos habituou em textos anteriores.

De início, confesso que a ideia do livro me assombrou. Lusíadas, Joyce, melancolia, tédio? «O que sairá dali?», pensei eu. Sobretudo, é um livro que em tudo aspira a uma maturidade que não sabia se já teria chegado ao nosso autor.
O resultado foi arrebatador.

Para quem já tinha lido alguns dos seus habitantes d'O Bairro e sido submetida à cruel ordem alfabética de acontecimentos de Matteo perdeu o emprego, este livro foi, realmente, o ponto em que as histórias se unem. Lemos, e sentimos uma forte presença das grandes questões que, regra geral, inquetam as personagens de GMT. Senti-me viajar, mais que entre Europa e Índia, mais mesmo que nos devaneios de Bloom, na materialização de um universo “Tavariano”. A obsessão pela ordem das coisas (que vai da natural à alfabética), pela relatividade do mundo material (de um terramoto, que bem dobrado pode caber em meros centímetros, esquecido no bolso de alguém), pelos profundos questionamentos sobre a condição humana permeados de personagens que interrompem quem narra para atar os sapatos ou coçar uma orelha; deuses que actuam como se não existissem, não existindo, de facto, com extrema eficácia; homens, que não disfarçam a maldade com que foram brindados desde o nascimento.

Desassossego.
Muitas perguntas, nos faz este livro. Acaba-mo-lo mais vazios de respostas do que no instante em que o abrimos. Perguntas, umas tolas, outras ébrias, outras sóbrias; muitas acutilantes, como aquela picada de mosquito que ainda vai coçar mesmo passados muitos dias de termos espezinhado o animal contra o chão da cozinha.

“O mundo está nas imediações do nada, a desordem é um prenúncio, e o inferno torna-se indispensável em certas semanas monótonas.”

O livro deixa um sabor amargo na boca. Em tudo exalta uma melancolia inatamente portuguesa, que cresce nos corpos lusitanos como um cancro inevitável. Bloom sabe que não lhe pode fugir, e isso torna-o indissociável do seu país, por mais voltas que dê ao Globo. Foi até ao Oriente mais profundo tentar recomeçar sua vida, conhecer a paz e a sabedoria, e tudo o que aprendeu foi que nem milhares de kilómetros poriam o rádio de seu pai a funcionar.

Contudo, é a capacidade de nos aborrecermos, são a iminência e a emanência do tédio que, desde os primórdios, nos impelem a evoluir, a questionar, a querer mais porque “só isto” não chega. E Gonçalo M. Tavares, claramente, não se contenta com pouco.

Concluo assim a MINHA viagem literária, convidando os companheiros de bordo a juntarem-se, com mais prismas deste enorme caleidoscópio que é um livro devorado!

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