terça-feira, 12 de abril de 2011

EU já FUI à bolA


Eu já fui à bola... e fui... exactamente: três vezes!
Uma vez em Coimbra, no tempo em que os animais falavam e eu trabalhava na RUC... 107.9FM, sempre no ar!
Assim que fui, diz que a trabalho, numa tarde de sol de Sábado ou seria de Domingo?, um Académica qualquer coisa... com a Académica a subir nesse dia à primeira divisão, com adeptos a invadir felizes o relvado, com jogadores estáticos de tão incrédulos... sendo que, anos depois, enquanto ouvia, do meu bom amigo Fernando, a descrição da sua alegria nesse dia, eu pensava apenas e sem certezas, tudo me parece demasiado familiar, acho que também lá estava...

Depois entrei no Estádio Municipal de Braga, agora mais conhecido como “A Pedreira”, ou não tivesse tido uma pedreira de verdade como antecessora.Estive no jogo inaugural, um Sporting de Braga com uma qualquer equipa espanhola.
Deste jogo guardo uma agradável caminhada a pé até ao estádio, apenas porque agradável a conversa, um barulho de trovões em sincronia, obtido através de uns insufláveis cilíndricos de plástico que, em substituição das palmas das mãos eram, em termos sonoros, mais eficazes que os caixotes de lixo dos STOMP, e eu a entrar no estádio e a sentir-me como se entrasse num navio negreiro pronto a zarpar das Áfricas para as Américas.
Até que o jogo começou e quinze minutos depois... já nem a arquitectura do nosso segundo prémio Pritzker conseguia desembaraçar-me do tédio.

O último jogo da trilogia foi o Portugal-Grécia, a final do Europeu de 2004, no Estádio da Luz. Neste caso lembro-me até resultado... bem, em bom rigor não me lembro do resultado, lembro-me apenas que perdemos, lembro-me do Rui Costa triste no meio do campo, estavam todos tristes e, sem saber explicar porquê, a minha atenção fixou-se apenas na tristeza do Rui Costa. Mas antes disso lembro-me de um casal de velhinhos a subir as escadas, desorientados entre corredores e cadeiras, à procura dos números que constavam nos seus bilhetes, andavam quase de braço dado, também devia ser amor mas, inquestionável, era a necessidade de se susterem um ao outro. A senhora com um cachecol de Portugal, o senhor com uma bandeira de Portugal pintada em plena e enrugada testa, pelo que imediatamente imaginei um neto pintor, afectuoso e divertido a colorir a verde, amarelo e vermelho os mais de quatro dedos de testa daquele avô.

E quando penso em futebol penso sempre em paixões assolapadas, insubordinadas, como a do Lobo Antunes pelo seu Benfica, a do Buarque pelo tricolor a que simplesmente chama pelo diminutivo carinhoso de Flu, a do Joaquín Sabina pelo seu Atlético de Madrid, ou apenas Aleti, arredondando o nome como ele arredonda.

O Lobo Antunes dizia que quando, na guerra em Angola, jogava o Benfica, a guerra simplesmente parava, sem mais!, direccionavam os altifalantes para o mato e impunha-se o sossego, coisa que obviamente o perturbava, dada a falta de lógica do conflito, talvez intimamente pensando, como era possível fazer a guerra com outros adeptos do seu Benfica.

Enquanto Chico escrevia, do seu exílio em Roma, ai a saudade!, no ano de 1969: “…é muito fácil ser rubro-negro. Fácil de mais. É como ser a favor do sol no meio do deserto, ou comemorar o Dia da Árvore no coração da Amazônia. Aliás, nunca existiu um flamenguista. Flamengar é verbo imperfeito que só se conjuga no plural. Por exemplo: E advogo, tu bates o ponto, ele mata mosquito; nós flamengamos, vós flamengais, eles flamengam. Mas torcer pelo Fluminense, modéstia à parte, requer outros talentos. Precisa saber dançar sem batucada. O tricolor chora e ri sem ninguém por perto. Ele merece um campeonato, ele merece.”[1]

Depois, para o Atlético de Madrid, Sabina escreveu em hino “Aquí me pongo a contar, motivos de un sentimiento, que no se puede explicar... Para entender lo que pasa, hay que haber llorado dentro del Calderón, que és mi casa...” acrescentando ao cantar: “Guerra al merengue arrogante, a mí me gustam las rayas, de los colchones de antes...”

Até o meu pai que não gostava de futebol e ao qual nunca vi prestar especial atenção a um jogo, não era indiferente ao fenómeno, respondendo, ainda hoje não sei se a brincar ou se a sério, agora que nunca mais vou saber mesmo, que era do Belenenses.

E eu, com todos estes mais que bons exemplos, pois que, de cada um tenho um pedaço dentro, não consigo ser feliz com o futebol e olhem que eu já tentei!

Talvez por inveja... confesso...

É que as pessoas parecem felizes, genuinamente felizes, a festa de um golo, os imprevisíveis saltos das cadeiras, os abraços, os sorrisos...

Coisa feia a inveja... mas tentei...

E... não me é natural nem me é fácil aprender ou compreender... é que nem mesmo à ópera precisei de ir três vezes para me encantar...

Pelo que concluo que o futebol é uma felicidade que me está vedada... ou que, em jeito de consolo... é-me uma infelicidade impossível!

E a culpa desta crónica é da tristeza, porque Benfiquista, do meu irmão e da alegria do audaz rapaz que fundou este clube de leitores... portanto, para ti também, meu insubordinado Rodrigo.
 
Raquel Serejo Martins




[1] “Um tricolor em Roma” para O Pasquim a 26-06-1969, na íntegra: http://www.chicobuarque.com.br/texto/artigos/artigo_um_tricolor.htm

1 comentário:

  1. E viva o FC Porto!!!

    Grande crónica, irmã Raquel! Vou embalar em bons sonhos esta noite...

    Até qualquer escrita!

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