domingo, 17 de abril de 2011

Da Pureza, da Castidade e da Modéstia


«Nem sempre foi assim! Mas os homens já não nos querem; as mulheres detestam-nos. Pois vamo-nos, vamo-nos. Eu (diz Pureza) para o galinheiro. Eu (diz Castidade) para os cumes ainda inviolados do Surrey. Eu (diz Modéstia) para qualquer canto aconchegado onde haja fartura de heras e cortinas.
Pois lá, e não aqui (dizem todas juntas, dando as mãos e fazendo gestos de adeus e desespero em direcção à cama onde Orlando dorme) moram ainda, em ninhos e alcovas, escritórios e tribunais, os que nos amam; que nos veneram – virgens e burgueses, advogados e médicos; os que proíbem; os que se curvam sem saber porquê; os que louvam sem perceber, a (graças a Deus) ainda numerosa tribo dos respeitáveis, que preferem não ver; que desejam ignorar; que amam as sombras; esses ainda nos adoram, e por boas razões; pois demos-lhes Riqueza, Propriedade, Conforto, Bem-Estar. É para junto deles que vamos ao deixar-vos. Vinde, Irmãs, vinde! Não há lugar aqui para nós.» (capítulo III)

Estou a gostar cada vez mais da escolha da Catarina para o mês de Abril! Woolf, até então conhecida por mim apenas de fama, encanta sobretudo pela profundidade das personagens e das questões colocadas ao longo da trama.

Este teaser que vos deixo é um excerto do momento que precederá a grande mudança na vida de Orlando, mudança esta potenciada pela Verdade, génio inimigo destas três irmãs que acima se despedem.

Lendo-o assim sozinho, não deixa de calhar bem no seguimento da reflexão do Rodrigo/Eça de Queirós sobre a crise; estes autores – Woolf e Queirós – já há um século atrás chegavam ao cerne de questões (da natureza humana, sobretudo, e de seu impacto nas sociedades) que até hoje nos perturbam.

Eis o seu génio.

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