quarta-feira, 6 de abril de 2011

Análise de 'Uma Viagem à Índia', Gonçalo M. Tavares

'A Índia é um país grande. Não pela
extensão mas porque é antigo. O tempo, num
país inteligente, é a extensão mais significativa.
Milhares de metros quadrados ocupam, em teoria,
uma superfície importante.
Também o número de andares dos edifícios
é facto bem visível das janelas dos aviões.
Porém, é a História de um país
que dá a intensidade da ligação da árvore à terra.
E cada país é uma árvore.'

(n.º 17, Canto VII)


Não dá para imaginar, de forma clarividente, o que vai Gonçalo M. Tavares escrever nas histórias que conta. Os títulos que escolhe não deixam antever o que depois relata.

Este foi o meu erro. Julguei que íamos permanecer bastante tempo na Índia. Empurrado pelos livros que li passados neste 'país grande' como, por exemplo, 'O tigre Branco' de Adiga ou 'Siddhartha' de Hesse; imaginei um romance com uma grande dose de espiritualidade, de auto-conhecimento, de busca interior.

É talvez esse o objectivo de Bloom, personagem central da narrativa. É inegável que parte em busca de respostas, de pacificar a sua Alma pelos crimes que cometeu.

No entanto - e aqui a surpresa - volta rapidamente. Aliás, arriscou-se a não regressar e a única recordação que traz é um livro antigo. Dos 'males' que procurava curar, nada sarou.

Deixo no ar a possibilidade, inclusive, desta personagem ter chegado a Paris ainda mais maléfica e profundamente melancólica.

Este livro é supremo. Não é por acaso que fui tirando várias anotações ao que nele se escreve. O grande trunfo de Gonçalo M. Tavares não é contar uma história épica, mas, no caso de 'Uma Viagem à Índia', criar uma personagem que dificilmente se esquece.

E é Bloom, meu novo herói literário, que, no meio das suas paranóias pessoais, nos põe a pensar sobre inúmeras questões em redor do Mundo, da condição e limitação humanas, da procura de respostas a perguntas difíceis.

Gonçalo M. Tavares cria a personagem por excelência. Carregada de dúvidas, com uma enorme tendência para o tédio, não muito segura do que procura, fugitiva dos pecados que comete, sem capacidade para responder imediatamente.

E daí sai toda uma nova filosofia. 'Uma viagem à Índia' é, afinal, uma longa caminhada pelo génio do escritor. Pelo que pensa, pelo que nos põe a pensar. Não é qualquer um que consegue escrever uma história assim: sem grande elenco, muito pausada e, ao mesmo tempo, com um estilo de epopeia.

Este livro confirma aquilo que já suspeitava do autor: estamos, de facto, perante um caso sério de literatura mundial. Confirma, igualmente, um estilo e um modo de estar muito próprios. Qualquer dia corremos o risco de adjectivar esta sua presença, imortalizando o seu nome.

Este foi mais um livro de leitura conjunta no blogue. Até à data, o que mais 'tinta' correu, dado o meu crescente entusiasmo à medida que ia galgando mais um Canto. Agradeço à Luma Garbin a possibilidade que me deu de antecipar esta leitura. Confesso que senti as tuas dúvidas iniciais, não sabia o que esperar. Embora, pelo que li do autor, acreditasse estar em boas mãos.

Rapidamente concluí que era para se saborear devagar. Cada recanto, cada frase, cada pensamento com significado... E assim foi. Este é o meu conselho: deixem-se levar, muito lentamente, por Bloom.

7 comentários:

  1. Tenho de me apoderar desse livro! Se não leste os quatro da tetralogia O Reino, aconselho vivamente!

    ResponderEliminar
  2. Li 'Jerusalém'. Mas aponto a muitos mais...

    ResponderEliminar
  3. Ainda não li nada deste escritor. mas o "jerusalém" lá existe lá em casa e vai ser dos próximos a ser lido. Estou com imensa curiosidade porque já ouvi imensas criticas (boas e más) e parece-me que é autor para se amar ou odiar.
    Boas leituras

    ResponderEliminar
  4. Adoro sobretudo a maneira como ele (Bloom e GMT) ao longo da epopeia encontra na Natureza as explicações nas coisas mais pequeninas.
    Vou acabar de ler hoje e ainda estou à espera de surpresas finais :)

    ResponderEliminar
  5. Plasticine, até ao fim será sempre uma surpresa. Quando se pensa estar perto, acontece sempre algo mais...

    ResponderEliminar
  6. O empreitada de G.Tavares é ousada. Contudo, estou começando a leitura e mal posso esperar pela hora de continuá-la. Inicialmente pensei na metáfora utilizada pelo próprio Saramago que muito o elogiou - "Será que este tem unhas para esta guitarra?". Os Cantos seguintes me esperam e só então poderei dizer algo.

    ResponderEliminar
  7. Aproveita, caro anónimo, esta viagem... Se possível, junta outros livros do autor. E penso, se os teus gostos forem os meus, que não te desiludirás! Boa sorte!

    ResponderEliminar