terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Se isto é um homem

13 de Dezembro de 1943 e 27 de Janeiro de 1945. A História contada neste livro entremeia estas duas datas - quando dizemos as datas, tudo parece ainda mais real.

Todos nós estudámos o holocausto, todos nós lemos sobre a conjuntura política, as ideias, os números desgraçados e as estatísticas que depois se fizeram. O que este livro nos traz de novo é que é um desses números que nos guia durante 410 dias da sua vida num campo de concentração, relatando e analisando factos com uma isenção própria de quem está distante e onde pôs à vista "o que o homem teve coragem de fazer ao homem". Arrisco dizer que estamos perante a mais crua descrição do género humano alguma vez feita. Vejamos que os próprios contornos são excepcionais e cruéis e a ininterrupta situação-[para além do]-limite  irrepetível: o homem pôde aparecer na sua pureza mais negra, e o autor transpôs tudo isto para as nossas folhas de papel.

Levi era um químico por formação académica mas o seu livro demonstra uma capacidade de análise filosófica, sociológica e antropológica impressionante e que nunca chega a ser toldada. De facto, ele mistura-se naquilo porque ele faz parte daquilo, mas parece que nunca abandona a sua alma de cientista : relata os acontecimentos maioritariamente na segunda pessoa do plural, sabendo sempre que, ao descrever-se, fala dos outros e quando pensa os outros, vê-se a si. E deste modo, ao contrário de qualquer vítima, nunca se mostra mais miserável do que um outro.

Talvez esse distanciamento não tenha sido intencional. Talvez ele simplesmente fizesse já totalmente parte da "massa anónima", onde todos perdiam a sua individualidade devido ao despojamento absoluto a que eram submetidos, passando apenas a pura ausência a insuflar aqueles corpos famintos e curvados. E talvez assim tenha encontrado um meu modo de justificar a alegria e conforto que senti ao ler que "Durante umas horas, podemos ser infelizes à maneira dos homens livres".

1 comentário:

  1. Em breve anoto o meu comentário. Mas desde já, os meus parabéns. É uma crítica muito bem construída!

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