terça-feira, 14 de setembro de 2010

O cliente...

O que é atender em Portugal? Nos livros...

Se dissesse que atender em livrarias deve ser dos trabalhos mais complicados de atendimento, provavelmente não acreditariam. É sempre uma opinião pessoal, já atendi noutros registos. No entanto, esta é uma profissão exigente a nível físico e cultural.

A maior parte dos clientes são indiferentes. Porém, mais de noventa por cento não diz 'olá' ou 'bom dia'. Utiliza-se muito o 'faz favor', o que não é sinónimo de educação porque é utilizado para se fazer notar.

Nos livros há duas razões que levam os funcionários tirar do sério: pedir desconto e queixarem-se de determinado livro não existir em parte nenhuma.

Para os descontos existe um cartão cliente em todos os sítios por onde passei. Não adianta fazer comparações entre as empresas, porque, em princípio, todas dão 10% de desconto em livros. Se as pessoas se queixarem que viram mais barato, é óbvio que eu não vou dizer "então porque não comprou lá?". Mas dava vontade, não dava?

A questão dos descontos existirem é uma moda errada que pegou quando algumas empresas estrangeiras entraram no mercado. Não são as editoras que comportam os descontos que se fazem nas livrarias. Depois, há muito a tónica do discurso de que os livros são caros. Eu sei que são, mas o problema está nas editoras, nunca nas livrarias.

Quanto aos livros não existirem em parte nenhuma, dirijo-me àqueles que resolvem procurar na véspera de entrega de um trabalho, exame, apresentação... Não me refiro àqueles que tentam encontrar um livro que sabem estar esgotado. A esses aplaudo o facto de terem esperança. Queixo-me, apenas, dos que de antemão sabem que precisam de um livro e depois descarregam a sua frustração quando não o arranjam.

É preciso dizer isto em letras grandes: conseguir livros em Portugal é muito difícil.

Fisicamente a maioria dos clientes não sabe o que é estar todo o dia de pé, carregar livros, desmontar caixas, expor, arrumar reposições de livros - um por um. Acredito muito nesta premissa: a minha profissão já foi prestigiante, hoje é vista da mesma maneira do que um emprego noutro tipo de atendimento qualquer.

E não pode ser. Não é justo para nós. Principalmente para alguns que procuram pôr o cliente acima de tudo, muito mais a que seria obrigado.

Muitos clientes também abusam do "Dr." ou outro título, não entendendo que, nos dias que corre, não faz sentido. Na minha loja trabalham, por exemplo, dois juristas, uma designer ou uma arquitecta.

Saber ou perceber de livros também não é fácil. Muitas vezes falam para nós do estilo, "tem o último cimi?". Confesso que, quando ouvi esta pergunta pela primeira vez, fiquei chocado. Não é a questão que preocupa, é a descontracção com que é feita. Quem atende em livros precisa de ter cultura: inevitável. Mas não pode dominar milhares de referências.

Obviamente que, por vezes, é impossível não sermos considerados ignorantes. Seremos sempre ignorantes enquanto alguém especializado falar connosco como um igual.

Fazendo uma limpeza a tudo isto, os bons clientes são poucos. Mas também são aqueles que nos dá prazer cumprimentar. Com alguns já fiz amizade. Outros confiam totalmente em nós e só a nós se dirigem. São esses que compensam a grande maioria que passa indiferente. E que me fazem gostar do que faço.

Nota: é completamente diferente trabalhar num centro comercial ou numa loja de rua. Talvez um dia escreva sobre isso...

Alguém quer dar opinião?

5 comentários:

  1. O CIMI (Código do Imposto Municipal sobre Imóveis), não há quem não conheça!! Paga-se no mês de Abril se o valor em causa for inferior a €250,00 e em duas prestações de iguais, se o montante de imposto for superior ao referido valor!
    Pessoalmente já o li umas duas ou três vezes, apesar disso, apenas o recomendo para noites de insónia.

    Apontamento de humor à parte, creio que a questão é mais profunda, e que tem na génese uma básica falta de civismo, assim como uma extraordinária falta de admiração entre servido e servidor, porque um não se sente honrado por prestar ou servir (bem servir é uma arte e não uma vergonha), enquanto o outro, tacanho também, não sabe dar o devido valor ao servidor.
    Só não percebi muito bem quando é que mudamos, pois me parece que nem sempre foi assim!

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  2. Raquel, iluminada Alma que sabe o que é o CIMI!

    Concordo com o que dizes. Sabes uma coisa? Quando era pequeno lembro-me de ir às livrarias e ver aqueles monstros de sabedoria. Era uma pessoa respeitada e acarinhada. Hoje há cada vez menos livreiros e mais atendedores de balcão.

    É a lógica do mercado. Posso ter muito conhecimento, mas ser tão bom como um colega que não pesca nada e tem um computador à frente. Há poucas coisas que distinguem estas realidades.

    O mundo dos livros também cresce a um ritmo que é impossível acompanhar.

    São os nossos dias...
    Mas eu já vi esta profissão mais dignificada. Hoje, tem dias, que me sinto um trapo sujo. Pode correr bem em quase todos os casos, mas há sempre um ou outro que... tu sabes...

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  3. Não é só no mundo livreiro que a profissão não é dignificada.É por toda a parte, quase todas as profissões.Eu penso que é mais uma questão cultural dum país que perdeu bastante a noção de educação,valores e boas maneiras.Um país onde todos acham que têm direitos mas não têm deveres: por exemplo o dever de ser educado com quem o atende onde quer que seja, da mesma forma que tem o direito de exigir ser atendido com o mesmo respeito e educação.
    Isabel

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  4. Mas também me surpreende o facto de, em geral, as pessoas não terem brio no trabalho que lhes sai das mãos, não terem a honradez de o fazerem o melhor que sabem e podem, e isto independentemente do facto de se gostar ou não do trabalho que se faz.

    Sabes uma coisa, na minha aldeia passava a carrinha-biblioteca da Gulbenkian e, talvez porque foi no fim da infância, num tempo em nada sabemos e em que por isso mesmo somos simplesmente felizes, a verdade é que foi com aqueles dois bibliotecários, sendo que pelo menos um deles acumulava as funções de condutor da viatura, que aprendi a gostar verdadeiramente de livros, e desde esse tempo nunca mais encontrei ninguém que aos meus olhos tanto percebesse da matéria, ou seja, de livros, a verdade também é que já não os procuro, pois quando entro em livrarias prefiro peregrinar sem companhia pelas prateleiras... mas acho que vou passar estar mais atenta ☺

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  5. Penso que trabalhar como empregado numa livraria não é o mesmo que trabalhar numa loja de roupa... essa tal cultura é precisa. Mesmo que seja difícil, um dia gostava de experimentar trabalhar algum tempo numa, só para poder estar rodeada de amigos...

    Uma vez andava à procura de um livro de Lorca e entrei em três livrarias, nenhum dos três empregados que me atenderam conhecia o autor...

    Resultado: a duas das livrarias deixei de ir, a uma delas vou só quando está lá o empregado que eu gosto. Ainda bem que há empregados realmente apaixonados por livros.

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