terça-feira, 3 de agosto de 2010

Poemas Anónimos - Turcos, Mongóis, Chineses e Incertos

A Assírio & Alvim publica 'Poemas anónimos Turcos, Mongóis, Chineses e Incertos', compilados num só livro. Entre eles, uma história que inverte a natureza da mulher. Aliás, ela aparece diabólica, dá uma sova ao marido! Normalmente obrigada a estar em casa e a ceder perante a vontade do homem, aqui sai de casa e arrasa tudo à sua volta.

Esta é uma narrativa que foi encontrada na cidade de Dunhuang (敦煌) na China, e data, algures, entre o século V e X. Quem disse que o divórcio foi um direito conquistado no século XX? Na China já é válido aos anos...


Recém-casada amarga

"Amarga recém-casada! Assim nasceu já.
Lábios ferinos, língua de ataque, quer é tumulto.
Maltrata, as crianças. De pontapés, enche o marido
Levanta a voz, injuria
Quando lhe falam os sogros, não escuta ninguém.
Entrando na cozinha, enfurece-se, vira o mingau, derrota a sopa,
Lá vão pratos, e os potes - Ban! Lá vai o caldeiro, e a sertã,
A sua ira semelha combate de búfalos, o riso, ranger de cremalheira
Mas quanto a fazer rodopiar a saia, ou dar ao rabo
Não tem igual neste mundo.
Transtornando, com ralhos, os sentimentos ancestrais, maltrata e vexa as cunhadas.
Quando se enfurece, com a sogra, nunca a boca fecha
Bate com a cabeça, invocando céu e terra.
Faz de conta que se deita, finge estar doente pr'a não se erguer,
Logo, vendo voltar o marido, de lágrimas tem os olhos cheios.

«Não te conto tudo, só digo isto:
Ambos me injuriam, tratam-me como escrava ou servente.»
Não pensa senão em reclinar-se, dormir
E se ninguém lhe dá o comer, levanta-se, picada pela fome.
A sogra diz ao filho: «Pede um respiro!
Depois que está aí a marafona 'fez ela por nós?»
O qual ouvindo, a recém-casada salta, pulando da cama:
«Por que razão no começo não mostravam tanto enfado?
Davam prendas, riqueza,
Foram buscar-me, fizeram-me vir - dizer agora, que sou: Sei lá o quê!
Antes dos esponsais imploravam deuses e espíritos
Agora que estou aqui, vede, como falais de mim!»

A recém-casada pede então os papéis de divórcio:
- Deixai-me ir, que me case de novo! Odiento, me é tal marido.
Ouvindo dizer que pede divórcio, rejubilam os sogros:
Eh! Dar-te-emos vestes e objectos que vieram da casa tua; e mais
Faremos coberta nova p'ra tua cama.
E cominam, de a ver abalar depressa, fazendo votos:
Nunca mais a ver ou encontrar.
Despede-se a recém-casada a boca cheia embora de impropérios. Apre!
«Dinheiro, riquezas, e bens - que vão - se me vir livre destas pestes.»"

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