quarta-feira, 28 de julho de 2010

O marinheiro que perdeu as graças do mar, Yukio Mishima

"Seppuku (切腹) é o termo formal para o ritual suicida chamado popularmente de harakiri (腹切り)."

Yukio Mishima, autor do extraordinário livro 'O marinheiro que perdeu as graças do mar', resolveu, aos 45 anos de idade, cortar a sua barriga da esquerda para a direita e, posteriormente, de baixo a cima (como forma a ficar em cruz).

"O seppuku era horrivelmente doloroso, mas o samurai, de acordo com o seu código de honra, não podia demonstrar dor ou medo ao realizá-lo. Dentre os motivos para cometer seppuku está a falha ao servir seu senhor ou perda da honra por qualquer motivo."


Mishima foi um louco, provavelmente. Mas fica o génio. Esta história deixou-me vidrado, sem reacção, profundamente pensativo, petrificado. Como é que eu não me apercebi mais cedo deste livro? Estava na minha estante há quase dois anos para o ler...

Um amor que um filho vai separar. Com uma dose muito elevada de perversidade, um sacrifício é feito. Para que o amor seja, definitivamente, proibido e esquecido.

Deixo-vos a página 53 e 54...

"Eles nem sequer sabem definir perigo. Acham que perigo quer dizer algo físico, um arranhão que deita um pouco de sangue e os jornais fazem uma grande história com isso. Bom, o perigo não tem nada a ver com isso. O verdadeiro perigo é viver. Claro, aquilo a que chamamos viver é apenas o caos da existência, mas mais do que isso é o esforço de desmantelarmos tudo, a existência, até atingirmos um ponto onde o caos original é restaurado e buscar forças à incerteza e ao medo que o caos contém, para recriar a existência instante a instante. Não há trabalho mais perigoso do que este. Na existência-em-si não há o medo, ou a incerteza, mas é o viver que os cria. E a sociedade, basicamente, não tem qualquer sentido, é apenas um banho romano misto. E a escola, a escola é a sociedade em miniatura: é por isso que nos estão constantemente a dar ordens. Um punhado de homens cegos diz-nos o que temos de fazer, retalha-nos as nossas imensas capacidades."

3 comentários:

  1. Olá Rodrigo
    deixo-te aqui o comentário que fiz quando li o livro, há uns tempos:

    O cenário é tradicional: um rapaz de 13 anos, Noboru, enfrenta os ciúmes provocados pela relação da mãe, Fusako, com um marinheiro, Ryuji. Mas por detrás deste cenário (ilusório e superficial) esconde-se um mundo inteiro de contradições espirituais, um cosmos complexo que o rapaz vai construindo interiormente, por oposição ao mundo real e um quadro simbólico em que o mar (que Ryuji transporta no sangue) funciona como símbolo do poder maior, o poder que destrói.

    Como se vê, a ideia-base é semelhante à de O Tempo Dourado, obra maior de Mishima: o confronto do Eu interior com o mundo e a ideia de expiação do mundo pelo poder do Eu. Só o poder que destrói é criador. No entanto, o confronto de Ryuji com o amor carnal é o pólo oposto ao do poder – é o lado fugaz e mesquinho do ser humano.
    O homem tem como obrigação expor o seu poder sobre o mundo; a violência torna-se justificável perante a mesquinhez, a ignorância e o egoísmo do ser humano. Matar é o acto supremo de exercício do poder; a morte é o único acesso à perfeição.
    Tal como em O Templo Dourado, Mishima exibe o seu impressionante fascínio pelo mar: o mar representa o poder destruidor. “O pavoroso poder do mar”.
    Ruyjan, marinheiro que trocou o mar pelo amor, foi despojado do seu heroísmo porque o trocou pela vida na terra. É por isso e não por qualquer tipo de ciúme que Noboru o odeia. A sua morte pode ser a única solução. Sem piedade, porque a piedade é um obstáculo às mentes superiores que Noboru representa. A mulher é o elemento do mundo, é o obstáculo maior a essa glória. A morte, por seu turno, é associada à glória. Porque a glória é amarga.
    Esta apologia da violência, do poder e da morte tornam a escrita de Mishima terrivelmente inquietante. Ela só é compreensível à luz dos conceitos de honra do código dos samurais que Mishima respeitará até à morte quando, em 1970 se suicidou cumprindo o cruel ritual japonês sepukku, vulgarmente conhecido por haraquiri.
    Uma escrita perturbadora, inquietante mas absolutamente genial pela profundidade de espírito, pela visão clara se bem que radical do destino humano.

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  2. É tudo isto que disseste. A mim perturbou-me bastante ler este livro. Mas é esse o objectivo de Mishima, creio.

    Só a cena inicial de o filho menor ver a mãe a ter relações com um homem por um buraco que liga os dois quartos, mexe com qualquer ser humano! E o final não podia ser mais 'seco': o grupo de miúdos mata, sem qualquer tipo de dó ou piedade, o marinheiro Ryuji.

    Por isso, não é um livro que aconselhe de braços abertos!

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  3. Vou com certeza ler este livro.
    Obrigada por o revelar!

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