sexta-feira, 16 de julho de 2010

Livro do mês

Antes de mais, queria agradecer à Constança a escolha deste livro. Apesar de saber o autor por nome, estava longe de imaginar que escrevia de uma forma tão pausada e poética. Na verdade, sempre admirei a cultura Oriental, mas confesso que só havia lido Mishima. Vou coleccionando outros nomes como Kawabata ou Junichiro Tanizaki, naquilo a que chamo a 'descoberta de uma identidade', uma forma de estar totalmente diversa da nossa.

Este livro trouxe-me à memória o livro 'A salvação de Wang-Fô e outros contos Orientais', de Marguerite Yourcenar. Não pela temática. Mas pelo regresso ao Oriente onde tive a sorte de ter estado durante um mês.

Ler 'Uma Cana de Pesca Para o Meu Avô' de Gao Xingjian foi como pintar um quadro. Se não soubesse a sua biografia, talvez me apercebesse que ele é, de facto, pintor. Neste conto (que dá nome ao título) esta observação parece-me importante. Até pela métrica usada. Vemos páginas carregadas de vírgulas, sem fazer grandes parágrafos onde o leitor é convidado a marcar o ritmo. Mas, em contrapartida, as palavras que Gao usa são escolhidas a dedo; o que nos leva, forçosamente, a ler com atenção o texto sob pena de perdermos o seu sentido.


As imagens que este conto me despertou foram as das férias na Aldeia. Nasci numa cidade, mas sempre tive a sorte de ter o campo bastante presente entre Barcelos, Guimarães e Águeda. Em Águeda, por exemplo, recordo-me dos banhos no rio e das lavadeiras a esfregar a roupa na pedra.

Comparei esta imagem de um rio limpo (onde se podia tomar banho e lavar a roupa) ao rio do conto. O rio é hoje um local não muito apropriado para mergulhos e as lavadeiras à moda antiga desapareceram. O rio deste conto é a chave entre o passado e o presente, entre uma infância e o regresso à terra, já adulto. O caudal secou e tudo mudou à sua volta.

O que realmente comove o leitor é a recordação do Avô. De uma forma pessoal, posso dizer que também eu tive uma infância carregada de boas memórias passadas com o meu Avô (infelizmente um deles não cheguei a conhecer). Outra imagem é a deste menino a olhar com admiração para o objecto quase sagrado: a cana de pesca. Fez-me lembrar as canetas e a lupa que o meu usava. Não sei se concordam comigo, mas há algo de 'Divindade' nos nossos Avós. Diria sabedoria, respeito, conhecimento...

A cana de pesca tem um enorme simbolismo neste conto. É como se fosse ela a narrar a história. E a forma irónica como o autor termina o conto, descrevendo as mudanças que transformaram a aldeia num sítio irreconhecível e o rio no banco de areia com espinhas de peixe, transporta-nos, igualmente, para a recordação de infância do personagem - uma cana feita de bambu - e a sua vida actual - uma cana de pesca moderna e o Avô morto.

Acaba por ser frio este final. Mas esta frieza não deixa de ser a lei da vida: onde tudo muda, evolui, começa e termina.

Gostaria de juntar três opiniões sobre a discussão gerada por esta escolha. E fica, desde já, o meu conselho: deixem-se levar por este pedaço de escrita. Rapidamente serão absorvidos.

Elisabete Teixeira: 'Esse é um dos livros que tenho cá por casa mas, não sei porquê, nunca me despertou muito a curiosidade. Vou ficar atenta às opiniões da leitura conjunta...'

Leonel Pereira Dias: 'Adorei o livro dele A MONTANHA DA ALMA. Já o reli, porque este escritor escreve maravilhosamente bem. Pinceladas poéticas com as palavras; narrativa filosófica como modo de vida; a alma de um povo intemporal. É um livro digno de ser lido.'

Maria Isabel Matos Pereira: 'Pescar à linha é uma forma de estar na vida. É um olhar para o tempo de forma enternecedora... sobretudo quando, no verão, uma ou outra libelinha poisa de asas abertas no topo da cana de pesca... a cana de pesca e a libelinha... tudo está sereno acima da linha de água... no lago ou rio ou mar o tempo é bem diferente... há um isco chamativo e predador... E a inocência do pescador à linha e da libelinha termina quando o peixe é fisgado... e o olhar deixa de ser terno para se transformar num olhar em espiral "fúsica" e mortal.'

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