quarta-feira, 21 de julho de 2010

Jerusálem, Gonçalo M. Tavares

Voltar à literatura portuguesa é sempre um prazer quando nos deparamos com um gigante como M. Tavares. Devorei o livro de uma assentada, nem pestanejei. Senti os calafrios e os bichinhos no estômago típicos de uma ansiedade desenfreada incontrolável de quem, como eu, adora ler e descobre mais um tesouro.

E mais não digo. Leiam com máxima urgência Jerusalém e deixem de lado o que estiverem a ler - pausa! Literatura a sério... Bem escrita, genial, envolvente.


Fica um cheirinho:

(...) seis milhões de seres humanos foram arrastados para a morte sem terem a possibilidade de se defender e, mais ainda, na maior parte dos casos, sem suspeitarem do que lhes estava a acontecer. O método utilizado foi a intensificação do terror. Houve, de começo, a negligência calculada, as privações e a humilhação (...). Veio a seguir a fome, à qual se acrescentava o trabalho forçado: as pessoas morriam aos milhares, mas a um ritmo diferente, segundo a resistência de cada um. Depois, foi a vez das fábricas da morte e todos passaram a morrer juntos: jovens e velhos, fracos e fortes, doentes ou saudáveis; morriam não na qualidade de indivíduos, quer dizer, de homens e de mulheres, de crianças ou de adultos, de rapazes ou de raparigas, bons ou maus, bonitos ou feios, mas reduzidos ao mínimo denominador comum da vida orgânica, mergulhados no abismo mais sombrio e mais profundo da igualdade primeira: morriam como gado, como coisas que não tivessem corpo nem alma, ou sequer rosto que a morte marcasse com o seu selo.
...

É nesta igualdade monstruosa, sem fraternidade nem humanidade - uma igualdade que poderia ter sido partilhada pelos cães e pelos gatos - que se vê, como se nela se reflectisse, a imagem do Inferno.
...

Depois da entrada nas fábricas da morte, tudo se tornava acidental e escapava por completo ao controlo tanto dos que infligiam o sofrimento como dos que o suportavam. E foram muitos os casos em que aqueles que um dia infligiam o sofrimento se transformavam no dia seguinte.

2 comentários:

  1. Um daqueles livros que apanhei da prateleira do jumbo num gesto de puro acaso e que se transformou num dos maiores achados do meu instinto no mundo das folhas de papel.

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  2. “O próximo século será o da seriedade, ou então perderemos tudo o que conquistámos”

    “Ajo para mim, actuo como se vivesse em frente ao espelho. Egoísmo ou, afinal, boa economia dos impulsos”

    “Um homem que não procure Deus é louco. E um louco deve ser tratado”

    “louco é o que age imoralmente e louco é o que agindo moralmente pensa de modo imoral”

    “O sobrevivente de um campo de concentração disse: «Os homens normais não sabem que tudo é possível»

    “o bem e o mal têm origem na inactividade e no tédio”

    “Se não sentes a alma parte o vidro com ela”

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