domingo, 9 de maio de 2010

Poemas de Deus e do Diabo, José Régio


Mais do que ler transversalmente a poesia de José Régio nesta compilação, importa apontar alguns pensamentos dispersos. Gostei mais do posfácio do que todas as poesias, se bem que valem o investimento.

Retirei aquilo que me interessava e convosco partilho:

'Por isso penso que, se um crítico deixa de ser o advogado duma corrente política ou facção literária para ser verdadeiro crítico de literatura, consequentemente um homem a quem os valores literários interessam sobre quaisquer outros, começará por aceitar todas as correntes, todas as escolas, todos os grupos, todas as individualidades; e, no mesmo criador, todos os seus aspectos. De igual modo aceitará todas as modalidades que possa a literatura revestir; isto é: a literatura realista, a simbólica, a alegórica, a poética, a experimentalista; e a clássica, a barroca, a romântica... etc., etc. Fora disto, o que há é preferências pessoais.'

'Em saber ler as obras, ensinar a lê-las, compreendê-las e explicá-las sem deixar de as julgar, me parece estar a suprema fecundidade da crítica. Decerto exige tal função, que alguns têm por secundária, um concurso de dons e aquisições que se não torna vulgar. Bem mais fácil, e vistoso, é jogar com uma certa curiosidade pública, esgrimindo como superações definitivas as últimas novidades e experiências estranhas. Creio que sem dada forma de humildade não é possível a crítica. Longe, porém, de humilhar o crítico, essa humildade intelectual antes o pode elevar ao nível das mais altas criações. No entendimento e penetração consciente de estas, pode o grande crítico superar o próprio seu criador'

Excerto do poema 'Litania Heróica':

'Por tudo isto sou profundamente só,
E me debato na ansiedade,
E nada sei ver só dum lado,
Porque, pairando em tudo como a luz ou como o pó,
Transbordo de humanidade,
Vivo desumanizado...'

Primeiro verso de 'Cântico Negro':

'«Vem por aqui» - dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: «vem por aqui»!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços
E nunca vou por ali...'

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